Entrevistas

Entrevista:

Yaskara Manzini 


Apresentação 

Nós do Departamento Jovem da A.C.S.E.S.M. Camisa Verde e Branco nos sentindo responsáveis pelo resgate da história de nossa escola, desde o começo em 1914 até os dias atuais. Para isso resolvemos entrevistar algumas personalidades atuantes ou até mesmo que passaram por nossa escola para saber um pouco mais sobre a mesma.
Nossa entrevistada Yaskara Manzini, foi coreografa de nossa comissão de frente, ao longo de 11 anos, colecionando em seu currículo ao longo deste período 3 troféus Gilberto Faria, como melhor comissão de frente do grupo de acesso, nos anos de 2009, 2010 e 2011.
O currículo de Yaskara Manzini é extenso, bailarina clássica, pesquisadora da NAPEDRA (Núcleo de Antropologia da Performance e do Drama – USP) e Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias da UNIRIO, doutoranda em Artes Cênicas, colaboradora da revista Você  e a dança (durante mais de uma década), coordenadora de dança na Secretária de Cultura de Suzano, atualmente coreografa da comissão de frente da X9 Paulistana. Citando apenas alguns dos seus trabalhos realizados.


1 – Conte-nos como você ingressou para a comissão de frente do Camisa Verde e Branco.

Yaskara: Em 2001, fui convidada por Duda Ribeiro a apresentar meu currículo para a escola. Na época a presidente era a Magali e o diretor de carnaval o Reginaldo, e daí o convite virou contrato e assumi como Coreógrafa a Comissão de Frente da Camisa Verde ficando do carnaval de 2001 até o de 2011, quando desliguei-me da escola.

2 – No decorrer desses 11 anos, passaram “várias” pessoas, houve vários momentos de alegria quanto de tristeza. Por conta disso, vocês mesmos se consideram uma grande família. O que mudou a sua vida nesse período (mudanças de comportamento, postura, atitudes, maturidade, etc)?

Yaskara: Onze anos é mais que uma década... é tempo... Em onze anos as pessoas amadurecem, é próprio da vida.
Penso que quando entrei eu era Artista (bailarina e coreógrafa), desconhecia que o samba é uma cultura, tem seus códigos, sua tradição, sua história, porque os desfiles na tv não dão conta do que é realmente uma escola de samba. Ela só transmite o desfile, e daí quando a gente adentra, percebe que a escola de samba é muito mais que o desfile. E história: da escola, do bairro, da cidade de São Paulo; é lugar de encontro, é um lugar onde existe trabalho social, é um lugar de troca de experiências entre pessoas e gerações, é um lugar de aprendizado e fazer artístico.
Acho que foi esta descoberta que levou-me também a pesquisar o samba paulistano e as relações entre o Carnaval e as Artes Cênicas para meu doutorado.

3 – Todo ano, a preparação da coreografia se faz de forma minuciosa, precisa e certeira. Como e de onde você tira “inspiração” para criá-las? Como se dá a criação da mesma a partir da informação obtida sobre o enredo? 

Yaskara: Não é "inspiração" é estudo, pesquisa séria. Horas e horas de leitura, e não é só sobre o tema definido pra ala. Além disto, tem a experiência, estudo dança desde os três anos de idade, fiz faculdade de artes da cena, pós, mestrado e agora doutorado. Dedico minha vida à Dança, vivo da Dança.
Particularmente acredito que todas as pessoas podem dançar e criar danças, mas certamente, aquelas que dedicam-se com seriedade a estudar dança e teatro apresentam um trabalho mais consistente, no qual existe conteúdo no corpo que se apresenta e não somente formas.
E claro que isto dá uma diferença na questão da criação, porque daí você interpreta o enredo, o que ali esta escrito e o que esta nas entrelinhas, o não dito. Então você pode optar, enquanto coreógrafa, por o quê você quer que a Comissão diga ao publico e como fazê-lo. 

4 – Sempre que se aproxima à hora do desfile, vocês se reúnem, fazem um grande circulo e rezam um Pai nosso... Após esse momento especial ficam no aguardo do sinal para adentrarem a avenida. O que passa por sua cabeça no momento em que os portões se abrem e a sirene toca? 

Yaskara: Nossa, será que dá pra descrever os pensamentos e emoções?
E um momento de muita tensão... porque se a escola toda não estiver montada, ou se algum carro quebrar, isso pode atrasar a entrada da comissão e daí diminui o tempo de desfile pra ala. Dependendo do grau de dificuldade da coreografia pode ser bem complicado e muito cansativo para o componente.
Também lembro da primeira lição que tive no mundo do samba, dada pelo Reginaldo: "Você já entra com dez na avenida, só é necessário mantê-lo até a dispersão".
Então é quase tensão de técnico de time de futebol, você pode preparar, dar diretrizes, treinar à exaustão, mas depois que pisar a linha amarela, eu só posso apresentá-los, a bola esta com eles, quem joga é o componente.

5 – A cada ano que passa no dia do desfile o ser humano sai de cena para a incorporação de um personagem. Essa personagem foi construída ao longo dos meses com muito esforço, garra e dedicação. Ser comissão de frente é ter a responsabilidade de saudar o público, apresentar uma prévia do enredo e acima de tudo defender o pavilhão de sua escola. Verdadeiramente, o que é ser COMISSÃO DE FRENTE pra você? 

Yaskara: Isso saudar o público e apresentar a Escola, não podemos deixar de pensar que nas primeiras comissões de frente, eram os diretores, a velha guarda do samba que apresentava sua comunidade em festa. Este é o fundamento da Comissão de Frente, é pra isso que ela existe: saudar o público e apresentar a escola.
E daí o tempo passou e hoje as comissões de frente são espetaculares. Criar, montar, ensaiar um espetáculo dá muito trabalho. Exige horas e horas de dedicação. Durante uma época do ano você vai abdicar de família, de passeios. Mesmo que exista um senso comum que diz que carnaval é bagunça, festa, se o componente não se alimentar direito, dormir bem, o corpo não aguenta, e quando escrevo corpo, quero dizer que não somente o físico, mas o psicológico, porque você é pressionado pelo tempo, por atingir a perfeição na execução da coreografia, pelos colegas do grupo, pela comunidade, pela família.
A imagem que tenho de Comissão de Frente é a de "guerreiro gentil", você sabe que vai para uma batalha e que tem que ganhá-la. Você não pode errar, porque a escola depende de você. Você vai à luta com a cabeça erguida e orgulhoso do seu Pavilhão (como falava o finado Seu Amaral), sem perder nunca o sorriso (como dizia o saudoso Hélio Bagunça), com gabardia, como diz Tio Arnaldo, e ao mesmo tempo com humildade, pois, permita-me parafrasear outro ícone do samba, o Zulú: "a gente passa, o Pavilhão permanece!"


E é assim, com esta frase que enceramos nossa entrevista, agradecendo a Yaskara Manzini, pela atenção prestada e também por todos os anos de trabalho brilhantemente prestados a nossa agremiação. Desejamos ainda, sorte em sua nossa casa. 
Valeu Yaskara!